sexta-feira, 14 de julho de 2017

Notícia: Parlamentares fazem força para colocar empecilhos em casos de aborto legal

Via Correio Braziliense

Depois de sofrerem um estupro, 35 mulheres abortaram no Distrito Federal no ano passado. A garantia prevista em lei desde 1940, entretanto, é sistematicamente colocada em questão por parlamentares da capital. A Câmara Legislativa debateu pelo menos sobre  11 projetos sobre o tema — a maioria previa a criação de empecilhos à medida. A iniciativa mais recente e polêmica foi a proposta que determinava a exibição de imagens de fetos a grávidas vítimas desse crime. Diante da repercussão negativa, o projeto de autoria de Celina Leão (PPS) acabou vetado pelo governador Rodrigo Rollemberg. Mas essa não foi a primeira vez que o Legislativo buscou formas de desestimular ou dificultar a interrupção da gravidez nos casos previstos em lei. Especialistas em saúde pública e entidades de defesa dos direitos das mulheres criticam as investidas contra essas garantias.


O Programa de Interrupção Gestacional Prevista em Lei, da Secretaria de Saúde do DF, atendeu 62 pessoas no ano passado. Mas, depois de uma minuciosa análise dos casos, 35 mulheres tiveram autorização dos profissionais para a realização do aborto. Cada uma delas recebeu, em média, sete atendimentos de médicos, psicólogos e assistentes sociais antes do procedimento. A média da idade gestacional era de 10 semanas. Dos procedimentos realizados, 13 foram por indução, quando a gestante está acima de 12 semanas, e 22 por aspiração manual intrauterina — procedimento mais simples, previsto para gestantes de até 12 semanas.

Sofrimento

A idade média das mulheres atendidas foi de 25 anos, mas as estatísticas mostram um dado chocante: oito meninas de até 14 anos ficaram grávidas depois de serem estupradas no Distrito Federal. O número total de abortos legais saltou de 18, em 2015, para 35, no ano passado. Do total de submetidas ao procedimento, 13 levaram ocorrência policial — a documentação não é exigida. Em 2016, não houve interrupção de gravidez por risco de morte para a mãe, apenas por estupro.

Fernanda Jota, coordenadora do Programa de Pesquisa, Assistência e Vigilância à Violência, também da Secretaria de Saúde, conta que o núcleo de interrupção gestacional prevista em lei é um dos que compõem a rede de prevenção e atenção à violência. Ela lembra que não é necessário nenhum encaminhamento de unidades de saúde ou de delegacias e que as mulheres podem procurar espontaneamente a iniciativa. “Depois que ela passa por, no mínimo, três atendimentos com psicólogos, um com assistente social, um com médico e por uma ecografia, os profissionais avaliam o quadro e analisam elementos. É verificado, por exemplo, se a idade gestacional é compatível com a data em que ela sofreu a violência. Com base nessas informações, a equipe delibera se acata ou não o pleito”, explica Fernanda.

No ano passado, 56% das solicitações foram aprovadas e 44%, rejeitadas. Nesses casos, as mulheres são encaminhadas para o pré-natal na rede pública de saúde. Se houver autorização, a mulher assina vários termos e preenche um documento de próprio punho. Ela também recebe informações detalhadas sobre os riscos e as consequências dos procedimentos. “São seguidos protocolos rígidos”, revela a coordenadora Fernanda. Segundo ela, não existe um perfil predefinido da mulher que procura os serviços. “Recebemos todos os tipos de pessoas, de todos os segmentos sociais. Em comum entre elas sempre há uma característica: chegam aqui em um estado de sofrimento terrível”, conta.

Desestímulo

Só entre os distritais desta legislatura, foram pelo menos três projetos de lei que buscam desestimular os abortos previstos na legislação. Além da proposta de Celina Leão, a Câmara Legislativa aprovou outra sobre o tema neste ano. A iniciativa do deputado Rafael Prudente (PMDB) recebeu maioria de votos em maio. O texto foi vetado pelo governador Rodrigo Rollemberg, mas a Câmara derrubou o veto e promulgou a lei. O parlamentar prevê a implantação do Programa Distrital de Prevenção ao Aborto e de Abandono de Incapaz e a criação das Casas de Apoio à Vida do DF.

A legislação estabelece que o GDF tem de criar instituições de apoio às gestantes, com serviços de assistência social, psicologia e atendimento médico. Na justificativa, o distrital do PMDB reconhece que a ideia é “erradicar ou eliminar substancialmente os casos de aborto, propiciando segurança, saúde e vida às mulheres”. Ainda segundo ele, “muitas mulheres recorrem ao aborto pela ausência de programas de defesa da vida”.

A ideia é oferecer assistência e incluir essas gestantes em programas de geração de renda, para desestimular a interrupção da gravidez até mesmo nos casos previstos em lei. O governador vetou a proposta, com o argumento técnico de que a lei criava atribuições para algumas secretarias, o que seria atribuição exclusiva do chefe do Executivo. A Câmara derrubou o veto e, agora, o GDF analisa se entrará com ação direta de inconstitucionalidade contra a iniciativa.

Outro texto debatido nesta legislatura é o Projeto de lei nº 2.047/2014, de autoria do deputado Robério Negreiros (PSDB), que cria a Semana de Prevenção ao Aborto. A proposta passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), no ano passado, e está pronta para ser incluída na ordem do dia. Existe, entretanto, uma lei semelhante em vigor, de autoria do então distrital Renato Rainha, aprovada em 1996, prevendo a criação da mesma data.

"Recebemos todos os tipos de pessoas, de todos os segmentos sociais. Em comum entre elas sempre há uma característica: chegam aqui em um estado de sofrimento terrível”

Helena Mader/CB/D.A Press

Fernanda Jota, coordenadora do Programa de Pesquisa, Assistência e Vigilância à Violência

Estatísticas de 2016 do Programa de Interrupção Gestacional Prevista em Lei:

62: Total de pessoas atendidas

475: Atendimentos realizados

35: Abortos realizados

8: Número de pacientes menores de 14 anos

25: Média de idade das pacientes

10 semanas: Média da idade gestacional